sábado, 15 de agosto de 2020

O mindset do caralho da quarentena

Há algumas semanas em quarentena na casa dos meus pais, uma amiga manda o print de um comentário de um vídeo da Jout Jout:


Tive que vir a casa dos meus pais porque minha mãe quis por ser mais seguro (e mais confortável) ficar em Maceió do que Recife.

Aí eu começo a pensar:

Vou ter que lidar com um lugar que, apesar de ser meu ninho, eu busco sempre estar longe. Mas tenho que ter paciência. Aí começo a lidar com uma rotina que não era a minha há mais de 3 anos e a ansiedade começa a aflorar. E daí eu penso: mas eu tenho que ser grata por ter uma casa, meus dois pais junto comigo e minha irmã. Mas ao mesmo tempo eu sei que lidar com o temperamento do meu pai é um pouco difícil para mim, mesmo com tanto tempo na terapia. Mas ao mesmo tempo vem em mente: nossa, Bruna, mas você é privilegiada de ainda fazer terapia, não deveria estar reclamando – vide o que eu vi no Instagram sobre ser grata diante de tanta merda acontecendo. Mas para começo de história, eu nem queria ter ansiedade nem depressão para não precisar ir para terapia há quase 7 anos e ainda ter que ir pra psiquiatra há 2 anos (já que eu tive uma crise absurda de depressão e passei meses em off me tratando). Vou ficar então focada nos estudos. Fiz um monte de curso online (já que liberaram diversos gratuitamente) e mal deu pra acompanhar todos. Fiquei: é de graça, tenho que dar conta. ESTUDE ENQUANTO ELES ESTÃO DORMINDO. Também estudei para o doutorado. Mas aí, no começo da quarentena eu recebi o e-mail dizendo que meu projeto de doutorado foi negado na universidade que queria. Tudo bem, foi a primeira tentativa. Mas e se academia não for a minha área mesmo? E se eu tivesse abandonado Direito quando eu pensei em abandonar e tivesse feito uma outra graduação numa área mais legal, como Jornalismo, como eu pensava? E se eu não tivesse feito mestrado em Geografia e me apaixonado e decidido seguir a carreira acadêmica? Eu decidi ser pesquisadora em um dos piores países pra isso e gastei o resto do meu dinheiro que juntei com a bolsa do mestrado investindo nessa carreira. Estou metida em um monte de projeto sem ganhar um tostãozinho pra comprar um café bom. Sou formada em Direito, por que DIABOS eu não me dediquei a concurso público naquela época? Poderia estar em algum apt do Minha Casa Minha Vida, casada, planejando ter filhos... Ou não, talvez só com um apt do Minha Casa Minha Vida mesmo, mas com dinheiro pra estar bem e independente. Aí eu passo o dia atrás de emprego e ainda me dedicando aos inúmeros projetos da Universidade que estou envolvida e minha mãe: você fica muito no seu quarto trabalhando, deveria ficar mais conosco. E eu fico mais ansiosa pois sei que deveria fazer essas coisas todas, mas ao mesmo tempo tenho que ‘estar’ presente em casa, pois tem gente aí perdendo os entes queridos pra uma bactéria filha da puta e eu fico mal por ainda não ser totalmente independente. Mas ao mesmo tempo eu fico: mas eu preciso me dedicar pra ter minha carreira, meu dinheiro e poder pagar coisas para os meus pais, dar um chamego legal com algum jantar, uma viagem. Mas aí eu penso: MAS SERÁ QUE EU VOU TER UMA CARREIRA? E a ansiedade já me atacou diversas vezes (uma crise foi tão fudida que tive que sair e ir para a praça perto de casa (a praça é deserta e não tinha ninguém), no meio da noite, para respirar ar puro, chorar e tentar tirar da minha cabeça pensamentos não tão saudáveis para quem sofre com saúde mental) e o medo de ter uma crise de depressão novamente me assombra de uma maneira que eu não sentia há anos. Mas aí aparece no feed do Twitter o vídeo de uma blogueira aí dizendo que eu sou privilegiada de ter um teto, um celular e internet. E eu fico: é verdade... Mas isso não deveria ser privilégio né? Porém isso me deixa ainda pior, porque sei que tem pessoas em situações piores do que a minha, mas minha mente está me corroendo tanto que ontem eu tive uma crise de ansiedade o dia INTEIRO. Há dois dias tive que ir ao consultório da minha psicóloga para assinar as vias de todas as consultas remotas que tive desde abril e fiquei noiada de ter pegado covid entrando no empresarial. Acabou que eu SONHEI que saía de casa sem máscara e acordei com falta de ar e o peito apertado jurando que já tinha que ir pro respirador (ou o que quer que seja) porque peguei covid, certeza. No sonho, eu ia numa loja de roupas e tinham três bolsonaristas sem máscara falando bosta e quando elas diziam que eu tinha que estudar mais, eu dizia: “E você precisa deixar de ser tão burra!”. Passei o dia inteiro monitorando minha respiração quando, racionalmente, eu sabia que era só ansiedade. E eu fico com medo de dizer aos meus pais, pois eles ainda não entendem bem o que é ansiedade ou depressão. Mas ao mesmo tempo eu fico: tenho que ser grata, não posso reclamar. Mas aí eu penso: mas porra, eu sou humana, eu sinto essas coisas e não quer dizer que eu não ame meus pais se eu não posso ficar com eles por horas seguidas para poder me dedicar à essa carreira fudida na academia que, apesar das dificuldades, eu amo demais. Mas aí vem na minha cabeça a galera do Twitter que vai dizer: ah, lá vem a privilegiada reclamando de saúde mental. TALVEZ POR QUE EU TENHA TRANSTORNO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO E NÃO IMPORTA SE EU TENHO TETO E COMIDA EU VOU FICAR DESMEDIDAMENTE PREOCUPADA E AFLITA JÁ QUE TEM UM MONTE DE MERDA ACONTECENDO NO MUNDO, INCLUSIVE AQUI DENTRO DA MINHA CABEÇA E MESMO TENDO TUDO, EU ESTOU DESEMPREGADA, PERDIDA E NÃO SEI SE TENHO JEITO NESSE MUNDO DE BOSTA COM UM VÍRUS FUDIDO ATRAPALHANDO TUDO?

 

Mas aí minha mãe chegou no meu quarto e mostrou a máscara que ela fez para doar para comunidades pobres de Maceió; meu pai está conseguindo lidar com as mudanças no trabalho; minha irmã encontrou um emprego massa (e que apesar d’eu ficar muito orgulhosa dela, eu fico pensando: será que vai chegar o momento em que eu vou conseguir algo assim?); meu projeto de doutorado está ficando mais alinhado; montei uma equipe de pesquisa e estudo em café que está se fortalecendo e me inspirando maravilhosamente e minha gata dormiu comigo hoje.

 

É. O mindset dessa quarentena é um caralho de bosta. E dizer que essa quarentena veio pra ajudar a ver coisas... olha, eu mando você tomar no cu mesmo. Essa bactéria filha da puta só veio pra piorar uma situação que já estava fudida.

 

Mas a gente vai aprendendo. E esperando a porra do caralho dessa vacina porque eu não aguento mais.

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