sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Sobre os familiares bolsonaristas

Conseguimos. Chegou a hora que o Jair já foi embora. Lula já tomou posse, Resistência subiu na rampa, o povo brasileiro passou a faixa para o nosso presidente. 

Mas… O que a gente faz agora com os familiares bolsonaristas? E os amigos bolsonaristas? Antes, eu até diria: “se é bolsonarista, não é meu amigo”. Até o dia que uma das minhas melhores amigas me surpreendeu com discursos estranhos e um até então namorado olavista (que virou marido). Eu ainda não processei isso no meu coração e apesar de tudo, ainda a amo, pois são anos de amizade e eu ainda não entendo como ela, que dizia que foi golpe no impeachment de Dilma, me disse “você tem que sair da sua bolha feminista, cientista e de esquerda”. Logo eu, mulher, pesquisadora social, filha de sindicalista da educação. Foi um golpe no coração, mas me afastei um pouco para me manter sã. Mas ainda dói. É um luto. 

Isso porque é minha amiga. E o que fazemos com familiares? Quando as ceias de natal com a mesa cheia não existem desde 2018? Eu não estou no grupo da família no Whatsapp desde a eleição do Aécio, porque desde então a criação de fake news já estava me incomodando e me cansando ter que explicar que os vídeos eram mentirosos. Mas desde 2018, as coisas apertaram ainda mais. Já fora do grupo da família, eu ainda mandei uma mensagem pelo celular da minha irmã dizendo que não tolerava defenderem um misógino, racista, fascista, machista (e todos os istas que sabemos do carcaça com cabelo). Joguei a bomba no grupo e saí. Era tarde da noite e no outro dia recebo mensagem dos meus pais exigindo que eu me retratasse, que eu devia desculpas para o marido da minha tia. Acontece que eu não me desculpo por falar a verdade. Então fingimos que nada aconteceu e seguimos. Meu pai estava descrente que o carcaça com cabelo poderia ganhar. E ganhou. E eu e minha irmã choramos na noite do segundo turno com medo do que viria. Meus pais nos abraçaram e disseram que estávamos exagerando. Acontece que não estávamos. 

Foram mais de 500.000 mortes que poderiam ter sido evitadas. Foi o aumento de 474% no registro de armas de fogo no Brasil. Foi o desmantelamento de ministérios importantes como o da ciência e tecnologia, o da educação… Para não falar o da saúde! Sem falar da vacinação da COVID, os demais imunizantes também tiveram seus planos destruídos a ponto de termos levado um susto com uma possível volta da poliomelite. A normalização da violência, o aumento de casos de feminicídio, o emparelhamento da PRF, os ataques à democracia e às instituições… Todos nós já sabemos disso. 

Bem, quase todos, pois o que fazemos como os familiares que ainda são bolsonaristas? O que fazemos com aqueles que dividimos alegrias e tristezas, que dividimos as férias na casa da vó, que sabemos de seus erros mais graves (que inclusive são rechaçados no discurso bolsonarista)? Como lidar com familiares que permitem a normalização da violência contra seus melhores amigos que acontecem de serem parte da comunidade LGBTQI+? Como lidar com familiares que negam veementemente seus anos de pesquisa? Seus anos de trabalho? 

Meu pai, aquele que exigiu que eu me retratasse com o marido da minha tia, achava que eu e minha irmã estávamos exagerando quando choramos naquele segundo turno. E nos últimos 4 anos, depois que eu disse que ele tinha sido doutrinado no exército depois que ele disse que não tinha sido golpe em 64, mas revolução, começou a se interessar por leituras mais… à esquerda. Vi meu pai buscando outras fontes que não apenas o Jornal Nacional ou o Jornal da Band. Lendo Hannah Arendt, lendo As Veias Abertas da América Latina e até mesmo lendo O Capital por Carlo Cafiero (que aliás, é anarquista). Vi meu pai e minha mãe assistindo Rita Von Hunty, que tá, tá, eu sei que tem diversas críticas, mas É UM AVANÇO! Eu não preciso dizer muito da minha mãe, pois: a) professora; b) freiriana; c) sindicalista. Mas devo dizer que foi bonito ver o crescimento do meu pai. E não é pela questão ideológica. É em ver a curiosidade dele levá-lo à leituras que fortaleceram o senso crítico de ver que o até então presidente era fascista. E que aqueles que deliberadamente defendiam seu governo, eram coniventes com a covarde violência que seu governo trazia. E diante dos meus olhos, vi meu pai, aquele da boa vizinhança que queria que eu pedisse desculpa para o marido da minha tia, responder no discurso de Lula “vou pensar no seu caso” quando o nosso presidente falou “É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras.”. E de fato. 

Meu pai saiu do grupo da família; não responde o ‘oi’ que o tio bolsofascista manda e disse que não está preparado para ir nas reuniões de família que os maridos bolsofascistas das minhas tias vão. Eu julgo? Não. Até porque até pouco tempo era EU a rebelde, a que falava as verdades na cara, a que não tinha paciência com quem estava começando… Mas é estranho ver meu pai nisso. Apesar de todo o orgulho que eu sinto dele. 

Então eu pergunto: o que a gente faz com esses familiares? Tudo bem que familiar a gente não escolhe e boa parte deles (dos bolsofascistas) eu já não gostava mesmo, né? Porque rola aquela identificação. Meu primo favorito, apesar de não nos vermos muito, sempre que a gente se vê, conversamos horrores e sempre nos ajudamos. Mas o que faz com aqueles que a gente já não gostava muito, que era só aquele primo distante que às vezes você dá oi, ri de alguma piadinha, deliberadamente se diz a favor de um governo que defende uma política genocida? Porque uma coisa é não gostar. Outra coisa é saber que aquela pessoa que compartilha teu sangue é uma verdadeira pessoa escrota pra caralho que você só quer meter o tapa na cara e dizer: tenha vergonha, você teve oportunidade de estudar, seu merda! (porque de duas, uma: ou o bolsofascista é ignorante e não teve oportunidade de desenvolver seu senso crítico ou é um mau caráter mesmo). 

No dia 1 de janeiro teve um almocinho de família e eu não fui por estar cansada/de ressaca da festa de revéillon. Mas meu pai não foi por não querer ver bolsofascista. Ele tá errado? Não. Mas ainda é muito estranho para mim ver isso. E não que eu também queira ver os familiares bolsofascistas. Os que eu sempre gostei não são (e aí a gente vê que laços de sangue não é nada) e estou sempre em contato com eles. Mas como fica a tal da família? Ainda não sei dizer. Não tem como esconder um fascista no armário depois que ele sai e fingir que está tudo bem. E apesar de agradecer ao carcaça com cabelo de ter mostrado isso, é ainda mais triste perceber que EXISTIAM fascistas nos meus laços de sangue. 

Acho que apesar de sangue, são laços que apesar de entrelaçados ao meu passado, podemos desatar.


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