No
último dia primeiro de outubro foi dia internacional do café. Eu estou um pouco
sumida desse blog e da caixa de e-mail por causa do café. Desde agosto, sou
barista freelancer e estou desenvolvendo meu projeto de doutorado que envolve o
que? Café. O nome desse blog é em homenagem a essa bebida que eu sou apaixonada
desde criança. Desde criança? Sim. Pois é. Minha mãe tomava café com leite em
pó e no fundo da xícara ficavam aquelas bolinhas de leite que eu sempre pedia a
ela quando via que ela estava terminando o jantar. O sabor do café adoçado era
acolhedor. Minha mãe não gostava que eu tomasse café, mas sempre que eu passava
as férias na casa da vovó ou na casa dos meus primos, eu tomava uma xícara de
café com leite e açúcar escondido. Uma das minhas brincadeiras favoritas era ‘brincar
de cafeteria’, onde eu fazia café e comidinhas de mentirinha e oferecia para os
meus clientes de mentirinha.
Mais
velha, conheci amigos que também amavam tomar café. Na época, ninguém preparava
café coado, então eu tomava aquele velho café solúvel. Certo dia, na falta de
leite em pó, uma amiga me introduziu ao café preto. Amei. Meu café passou a ser
preto feito o céu da noite, estrelado com os cubinhos de açúcar que eu ainda
mergulhava na bebida.
No
colégio, eu fiz amigos que gostavam ainda mais de café do que eu. Uma amiga, Débora,
levava uma garrafa térmica e eu levava biscoitos de banana e canela e
passávamos o intervalo bebendo café e comendo os biscoitinhos, conversando
sobre os livros que estávamos lendo e as séries que estávamos vendo. Todo mês
nos reuníamos na casa da Bruna, onde eu me aventurava em alguma comidinha que
acompanhasse o café. Fizemos tortas de café e chocolate, torta de maçã... Tudo acompanhando
bem uma xicrinha. E dessa vez não era mais café solúvel. Débora ABOMINAVA e
agora eu só tomava coadinho na velha Melitta. E já não tomava com açúcar, pois queria
saber o gosto do café sem aditivos.
Eles
foram os que investiram nessa minha paixão. Como eu era a que mais gostava de
ficar na cozinha e me aventurar nas receitas que harmonizassem com o café, eles
me presentearam com uma cafeteira e um conjunto de xícaras que até hoje tenho.
Eu sei que na verdade não foi um presente, mas um investimento para que eles
sempre tivessem café fresquinho.
Comecei
a me interessar na bebida e a seguir perfis no Twitter sobre café. Até que
encontrei a Revista Espresso. Segui e num sorteio, ganhei garrafas térmicas e duas
xícaras lindas. Assinei a revista e comecei a entender mais do mundo do café especial.
Não fazia ideia do caminho que aquele grãozinho levava até chegar na minha
xicrinha. Eu sou de Maceió e na busca por cafeterias que pudessem me oferecer
um bom café, eu sofria. Até que em 2012, meu ex namorado foi morar em São Paulo
e passei um mês lá. E daí entendi o que era uma cafeteria. Conheci o Coffee Lab
e me apaixonei. Tomei o café mais doce que tinha tomado na vida E SEM AÇÚCAR.
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Dia de análise sensorial com uns amigos. Reuni quase 20 pessoas na casa dos meus pais para provar café em métodos diferentes |
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Coffee Lab em 2012 |
Como
já estava imersa nesse mundo, sempre buscava melhores cafés nos supermercados. Certa
vez almoçando no Carne de Sol do Picuí em Maceió, me deparei com o café da
Yaguara, uma fazenda em Pernambuco. Me apaixonei pelo café e consegui encontrar
em um supermercado. Mas sempre era difícil encontrar cafés e muitas vezes era
caro demais. Até que o Moka Club trouxe a oportunidade de conhecer cafés dos
mais diversos lugares do país. Assinei e todo mês recebia um pacotinho de felicidade
de origens diferentes em casa.
Me
formei em Direito, trabalhei em uma empresa de tecnologia. E o café sempre
esteve ali. Até que decidi voltar para a academia e para minha pesquisa de
Indicações Geográficas. Mas na Geografia. Em 2017, vim morar em Recife para o
meu mestrado na Universidade Federal de Pernambuco e me deparei com uma cidade
cheia de cafeterias. Em maio do mesmo ano, vi que tinha um evento chamado
Recife Coffee: um mês especial de café entre todos os estabelecimentos com
comidinhas que harmonizavam com a bebida. Eram várias cafeterias que faziam o
que eu fazia com meus amigos do colégio em Maceió. Vi que o consumo de café em Recife
era enorme, o que me fez me sentir ainda mais acolhida por essa cidade. Minha
orientadora ama café e sempre nos reunimos para discutir as pesquisas abençoadas
por essa bebida incrível.
Em
2018, tive a oportunidade de conhecer a Yaguara, aquela fazenda da qual eu
comprava café em Maceió e só via no Instagram as imagens belíssimas dos pés de
café, além da criação de suínos maravilhosa. O restaurante Cá-Já juntou um mói
de fãs da gastronomia na fazenda junto à cervejaria Ekäut aqui de Pernambuco e
passamos uma manhã de domingo andando pela fazenda e conhecendo a bruxaria da
Tatiana Peebles e nos sentindo abençoados sentando numa mesa como uma grande
família e comendo o que aquela terra linda nos proporciona. Junto à mão
abençoada do chef Yuri que me fez chorar com um arroz com miúdos de galinha (chorei
porque não gosto de miúdos, mas com aquele prato eu lambi os beiço). E conheci
pessoalmente a Tati. Eu parecia criança conhecendo a Xuxa. Tinha sido um ano
difícil pra mim e aquele dia me disse que tudo ia melhorar. E melhorou.
Eu em Paris em 2016 tomando café brasileiro |
O dia que descobri o que era felicidade (Outubro de 2018) |
O
café mineiro que pedi veio com comidinhas mineiras que harmonizavam perfeitamente.
No braço, eu já tinha tatuado um ramo de café e aquele lugar parecia mágico
para uma pessoa que já era apaixonada pela bebida há tanto tempo. Até que veio
uma caixinha na minha mesa e meus pais e minha irmã me deram de presente um
curso de barista iniciante no Kaffe. Eu nem podia acreditar que faria um curso
para aprender a mexer numa máquina de espresso! Tá, eu nem sou muito fã de
espresso, eu amo um filtradinho, mas aquelas máquinas SÃO LINDAS. Sempre ficava
olhando no Instagram aquelas La Marzocco (marca de máquina de espresso)
lindonas. Eu agora poderia ser uma barista oficial.
Demorei
pra fazer o curso, pois o mestrado estava ocupando demais do meu tempo. Mas duas
semanas antes de defender, surgiu uma vaga e eu fui fazer uma imersão de dois
dias no mundo do café. E toda aquela paixão se fortaleceu quando eu conheci
Lidiane, a barista dona do Kaffe que eu só via das redes sociais e quando ela
ganhou barista do ano pelo Facebook. Conhecer Lidiane foi o suficiente para que
a chaminha do café no meu coração se tornasse fogaréu. Terminei o curso e ela
me disse que eu podia ser barista freelancer para ir pegando prática no ramo. Como
eu estava prestes a defender meu mestrado e não queria emendar o doutorado por
questões de ‘também sou filha de deus e mereço um descanso acadêmico de só estudar
e ver que esse mundo não tem jeito’, pensei: “poxa, seria incrível trabalhar
como barista e só estudar café”. Me dei um mês de férias depois da defesa e
enviei uma mensagem por whatsapp para Lidiane agradecendo por ter acordado de
novo essa paixão pelo café e perguntando por dicas para me tornar uma barista
freelancer. Ela respondeu carinhosamente como sempre e disse que me passaria
uma lista de cafeterias de Recife onde eu poderia tentar.
Uma
semana depois, ela me envia uma mensagem dizendo que precisava de um freela.
Que estava procurando uma pessoa do bem e comprometida com café e que tinha
lembrado de mim. Depois de tudo o que eu já falei aqui vocês já podem imaginar
que eu chorei né? Não, não chorei, mas saí gritando pela casa e assustei minha
irmã dizendo: TU SABE QUEM VAI SER A BARISTA FREELANCER DO KAFFE?! EUZINHA!
Comecei
no outro dia. A menina que brincava de cafeteria quando criança agora estava
servindo café de qualidade de verdade. Conversando com clientes sobre a origem
do café, sobre os diferenciados métodos de preparo, harmonizando comidas com
café... de verdade. Os artigos da Roast Magazine, da Revista Espresso, da SCA
que eu recebia por email estavam sendo vistos, experenciados e falados ali.
E
na dúvida sobre o meu projeto de doutorado (que mesmo eu não querendo emendar o
mestrado com o doutorado, como acadêmica eu já tinha que pensar sobre), o tema
surgiu no Kaffe em uma conversa com o nosso mestre de torra (e meu chefinho),
Eudes. A chamada 3ª onda do café defende a valorização de toda a cadeia do
grão: desde o plantio, quem colhe, à torra, quem torra, até quem prepara, o
barista. Tudo isso envolve a pesquisa sobre desenvolvimento territorial que eu
venho estudando e trabalhando desde que eu li o artigo sobre Indicações
Geográficas na Revista Espresso. E assim, achei meu projeto. E estou desenvolvendo
parcerias entre o Kaffe, produtores pernambucanos de café e instituições importantes
como a Universidade Federal de Pernambuco, o Instituto Agronômico de Pernambuco
e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
Minha
irmã também trabalha junto ao Kaffe cuidando das redes sociais e, também, se
apaixonando por café. Até se imaginando sendo uma futura mestra de torra.
Mesmo
correndo, sendo barista freelancer, pensando nos projetos que estou envolvida na
universidade, iniciando essa pesquisa envolvendo tantos atores, eu penso que
aquela menina que brincava de cafeteria nunca imaginaria que iria acabar
estudando tanto uma bebida, a ponto de ser mestra em Geografia, graças a um
artigo de uma revista especializada em café; que essa menininha iria realizar
um sonho ao ver um sorriso de um cliente dizendo: “que café maravilhoso!”; que
iria trabalhar junto ao IPA, ao INPI, ao SEBRAE no desenvolvimento econômico, territorial
e social de uma região produtora de café.
Semana
passada, fiz o IELTS, a prova de proeficiência em inglês para o doutorado.
Antes da prova, conversando com um rapaz que também ia fazer, comentei que eu
era barista e comecei a falar um pouco sobre café. Ele riu e comentou: “Então
se cair café nessa prova você já sabe de tudo!”. Assim que abri o caderno de
Reading, o primeiro texto era: The history of coffee. Nem precisei ler o texto
para responder algumas questões. Tive que me segurar para não rir alto. Saí da
prova e fui ao Kaffe contar o causo. Meus chefes riram e comemorei tomando uma
cerveja feita com café junto aos meus chefes, Lidi e Eudes, e um casal de
clientes, Marcelo e Roberta, que já viraram amigos queridos.
É
engraçado como o Kaffe é o lugar onde eu queria chegar. Achei meu doutorado lá;
realizei meu sonho de menina e de gente grande de servir café e comidinhas que
combinam com a bebida; fiz amizades com clientes incríveis; fiz irmandade com os
outros baristas (Carol, Gabi e Zé Vitor), além dos chefes mais carinhosos e que
posso aprender demais, Lidi e Eudes; recebo a Tati Peebles e suas histórias da
Yaguara...
É
incrível como o café me fez realizar sonhos.
E
como ainda tem tantos pela frente com o aroma de café recém moído...
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