sábado, 5 de outubro de 2019

As bolinhas de leite no fundo do café


No último dia primeiro de outubro foi dia internacional do café. Eu estou um pouco sumida desse blog e da caixa de e-mail por causa do café. Desde agosto, sou barista freelancer e estou desenvolvendo meu projeto de doutorado que envolve o que? Café. O nome desse blog é em homenagem a essa bebida que eu sou apaixonada desde criança. Desde criança? Sim. Pois é. Minha mãe tomava café com leite em pó e no fundo da xícara ficavam aquelas bolinhas de leite que eu sempre pedia a ela quando via que ela estava terminando o jantar. O sabor do café adoçado era acolhedor. Minha mãe não gostava que eu tomasse café, mas sempre que eu passava as férias na casa da vovó ou na casa dos meus primos, eu tomava uma xícara de café com leite e açúcar escondido. Uma das minhas brincadeiras favoritas era ‘brincar de cafeteria’, onde eu fazia café e comidinhas de mentirinha e oferecia para os meus clientes de mentirinha.

Mais velha, conheci amigos que também amavam tomar café. Na época, ninguém preparava café coado, então eu tomava aquele velho café solúvel. Certo dia, na falta de leite em pó, uma amiga me introduziu ao café preto. Amei. Meu café passou a ser preto feito o céu da noite, estrelado com os cubinhos de açúcar que eu ainda mergulhava na bebida.

No colégio, eu fiz amigos que gostavam ainda mais de café do que eu. Uma amiga, Débora, levava uma garrafa térmica e eu levava biscoitos de banana e canela e passávamos o intervalo bebendo café e comendo os biscoitinhos, conversando sobre os livros que estávamos lendo e as séries que estávamos vendo. Todo mês nos reuníamos na casa da Bruna, onde eu me aventurava em alguma comidinha que acompanhasse o café. Fizemos tortas de café e chocolate, torta de maçã... Tudo acompanhando bem uma xicrinha. E dessa vez não era mais café solúvel. Débora ABOMINAVA e agora eu só tomava coadinho na velha Melitta. E já não tomava com açúcar, pois queria saber o gosto do café sem aditivos.

Eles foram os que investiram nessa minha paixão. Como eu era a que mais gostava de ficar na cozinha e me aventurar nas receitas que harmonizassem com o café, eles me presentearam com uma cafeteira e um conjunto de xícaras que até hoje tenho. Eu sei que na verdade não foi um presente, mas um investimento para que eles sempre tivessem café fresquinho.

Dia de análise sensorial com uns amigos. Reuni quase 20 pessoas na casa dos meus pais para provar café em métodos diferentes
Comecei a me interessar na bebida e a seguir perfis no Twitter sobre café. Até que encontrei a Revista Espresso. Segui e num sorteio, ganhei garrafas térmicas e duas xícaras lindas. Assinei a revista e comecei a entender mais do mundo do café especial. Não fazia ideia do caminho que aquele grãozinho levava até chegar na minha xicrinha. Eu sou de Maceió e na busca por cafeterias que pudessem me oferecer um bom café, eu sofria. Até que em 2012, meu ex namorado foi morar em São Paulo e passei um mês lá. E daí entendi o que era uma cafeteria. Conheci o Coffee Lab e me apaixonei. Tomei o café mais doce que tinha tomado na vida E SEM AÇÚCAR.

Coffee Lab em 2012
Em 2012, a Espresso apresentou um artigo sobre Indicações Geográficas no mundo do café. Eu fazia graduação em Direito e estava prestes a abandonar, quando, ao ler o artigo, uni o útil ao agradável e iniciei uma pesquisa sobre Direito de Propriedade Industrial com as Indicações Geográficas. Comecei a amar a pesquisa quando eu via que poderia trabalhar com o desenvolvimento na vida de produtores que faziam com que aquela bebida mágica e que sempre me acalentava o coração pudesse chegar à minha xícara. Em 2013, fui à São Paulo visitar meu ex e fazer um curso de preparo de café caseiro no Coffee Lab. Conheci também o Sofá Café e conversei com o Ton Rodrigues, que tinha trabalhado no Coffee Lab e já vínhamos trocando figurinhas sobre café pelo Facebook. Ele me deu dicas de livros e me mostrou materiais da SCA sobre torra e afins. Fiquei ainda mais entusiasmada e acabei comprando um Hario V60 e uma Aeropress para ter em casa. Acredito que fui uma das primeiras pessoas em Maceió a ter métodos diferentes de preparo de café, pois algumas vezes, pessoas aleatórias surgiam no Facebook para me perguntar sobre.


Como já estava imersa nesse mundo, sempre buscava melhores cafés nos supermercados. Certa vez almoçando no Carne de Sol do Picuí em Maceió, me deparei com o café da Yaguara, uma fazenda em Pernambuco. Me apaixonei pelo café e consegui encontrar em um supermercado. Mas sempre era difícil encontrar cafés e muitas vezes era caro demais. Até que o Moka Club trouxe a oportunidade de conhecer cafés dos mais diversos lugares do país. Assinei e todo mês recebia um pacotinho de felicidade de origens diferentes em casa.

Me formei em Direito, trabalhei em uma empresa de tecnologia. E o café sempre esteve ali. Até que decidi voltar para a academia e para minha pesquisa de Indicações Geográficas. Mas na Geografia. Em 2017, vim morar em Recife para o meu mestrado na Universidade Federal de Pernambuco e me deparei com uma cidade cheia de cafeterias. Em maio do mesmo ano, vi que tinha um evento chamado Recife Coffee: um mês especial de café entre todos os estabelecimentos com comidinhas que harmonizavam com a bebida. Eram várias cafeterias que faziam o que eu fazia com meus amigos do colégio em Maceió. Vi que o consumo de café em Recife era enorme, o que me fez me sentir ainda mais acolhida por essa cidade. Minha orientadora ama café e sempre nos reunimos para discutir as pesquisas abençoadas por essa bebida incrível.

Eu em Paris em 2016 tomando café brasileiro
Em 2018, tive a oportunidade de conhecer a Yaguara, aquela fazenda da qual eu comprava café em Maceió e só via no Instagram as imagens belíssimas dos pés de café, além da criação de suínos maravilhosa. O restaurante Cá-Já juntou um mói de fãs da gastronomia na fazenda junto à cervejaria Ekäut aqui de Pernambuco e passamos uma manhã de domingo andando pela fazenda e conhecendo a bruxaria da Tatiana Peebles e nos sentindo abençoados sentando numa mesa como uma grande família e comendo o que aquela terra linda nos proporciona. Junto à mão abençoada do chef Yuri que me fez chorar com um arroz com miúdos de galinha (chorei porque não gosto de miúdos, mas com aquele prato eu lambi os beiço). E conheci pessoalmente a Tati. Eu parecia criança conhecendo a Xuxa. Tinha sido um ano difícil pra mim e aquele dia me disse que tudo ia melhorar. E melhorou.

O dia que descobri o que era felicidade (Outubro de 2018)
No mesmo ano, minha irmã foi fazer uma sessão de fotos com uma cafeteria. Ela estava trabalhando com as mídias sociais do lugar. E voltou para casa falando: “Bruna, você PRECISA ir no Kaffe!”. Mas o ano estava sendo difícil e cheio, tinha que terminar meu mestrado. Até que no meu aniversário, decidimos celebrar lá junto aos meus pais. Vi que a cafeteria era bem diferente de tudo o que eu já tinha conhecido aqui no Nordeste. Realmente eles tinham uma proposta de mostrar o café como ele deve ser apresentado: não apenas como uma bebida que faz parte da história do brasileiro, mas uma bebida que merece ser valorizada e respeitada, não só na xícara, mas em toda a cadeia, desde o produtor até minha boca.

O café mineiro que pedi veio com comidinhas mineiras que harmonizavam perfeitamente. No braço, eu já tinha tatuado um ramo de café e aquele lugar parecia mágico para uma pessoa que já era apaixonada pela bebida há tanto tempo. Até que veio uma caixinha na minha mesa e meus pais e minha irmã me deram de presente um curso de barista iniciante no Kaffe. Eu nem podia acreditar que faria um curso para aprender a mexer numa máquina de espresso! Tá, eu nem sou muito fã de espresso, eu amo um filtradinho, mas aquelas máquinas SÃO LINDAS. Sempre ficava olhando no Instagram aquelas La Marzocco (marca de máquina de espresso) lindonas. Eu agora poderia ser uma barista oficial.

Demorei pra fazer o curso, pois o mestrado estava ocupando demais do meu tempo. Mas duas semanas antes de defender, surgiu uma vaga e eu fui fazer uma imersão de dois dias no mundo do café. E toda aquela paixão se fortaleceu quando eu conheci Lidiane, a barista dona do Kaffe que eu só via das redes sociais e quando ela ganhou barista do ano pelo Facebook. Conhecer Lidiane foi o suficiente para que a chaminha do café no meu coração se tornasse fogaréu. Terminei o curso e ela me disse que eu podia ser barista freelancer para ir pegando prática no ramo. Como eu estava prestes a defender meu mestrado e não queria emendar o doutorado por questões de ‘também sou filha de deus e mereço um descanso acadêmico de só estudar e ver que esse mundo não tem jeito’, pensei: “poxa, seria incrível trabalhar como barista e só estudar café”. Me dei um mês de férias depois da defesa e enviei uma mensagem por whatsapp para Lidiane agradecendo por ter acordado de novo essa paixão pelo café e perguntando por dicas para me tornar uma barista freelancer. Ela respondeu carinhosamente como sempre e disse que me passaria uma lista de cafeterias de Recife onde eu poderia tentar.

Uma semana depois, ela me envia uma mensagem dizendo que precisava de um freela. Que estava procurando uma pessoa do bem e comprometida com café e que tinha lembrado de mim. Depois de tudo o que eu já falei aqui vocês já podem imaginar que eu chorei né? Não, não chorei, mas saí gritando pela casa e assustei minha irmã dizendo: TU SABE QUEM VAI SER A BARISTA FREELANCER DO KAFFE?! EUZINHA!

Comecei no outro dia. A menina que brincava de cafeteria quando criança agora estava servindo café de qualidade de verdade. Conversando com clientes sobre a origem do café, sobre os diferenciados métodos de preparo, harmonizando comidas com café... de verdade. Os artigos da Roast Magazine, da Revista Espresso, da SCA que eu recebia por email estavam sendo vistos, experenciados e falados ali.

E na dúvida sobre o meu projeto de doutorado (que mesmo eu não querendo emendar o mestrado com o doutorado, como acadêmica eu já tinha que pensar sobre), o tema surgiu no Kaffe em uma conversa com o nosso mestre de torra (e meu chefinho), Eudes. A chamada 3ª onda do café defende a valorização de toda a cadeia do grão: desde o plantio, quem colhe, à torra, quem torra, até quem prepara, o barista. Tudo isso envolve a pesquisa sobre desenvolvimento territorial que eu venho estudando e trabalhando desde que eu li o artigo sobre Indicações Geográficas na Revista Espresso. E assim, achei meu projeto. E estou desenvolvendo parcerias entre o Kaffe, produtores pernambucanos de café e instituições importantes como a Universidade Federal de Pernambuco, o Instituto Agronômico de Pernambuco e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

Minha irmã também trabalha junto ao Kaffe cuidando das redes sociais e, também, se apaixonando por café. Até se imaginando sendo uma futura mestra de torra.

Mesmo correndo, sendo barista freelancer, pensando nos projetos que estou envolvida na universidade, iniciando essa pesquisa envolvendo tantos atores, eu penso que aquela menina que brincava de cafeteria nunca imaginaria que iria acabar estudando tanto uma bebida, a ponto de ser mestra em Geografia, graças a um artigo de uma revista especializada em café; que essa menininha iria realizar um sonho ao ver um sorriso de um cliente dizendo: “que café maravilhoso!”; que iria trabalhar junto ao IPA, ao INPI, ao SEBRAE no desenvolvimento econômico, territorial e social de uma região produtora de café.

Semana passada, fiz o IELTS, a prova de proeficiência em inglês para o doutorado. Antes da prova, conversando com um rapaz que também ia fazer, comentei que eu era barista e comecei a falar um pouco sobre café. Ele riu e comentou: “Então se cair café nessa prova você já sabe de tudo!”. Assim que abri o caderno de Reading, o primeiro texto era: The history of coffee. Nem precisei ler o texto para responder algumas questões. Tive que me segurar para não rir alto. Saí da prova e fui ao Kaffe contar o causo. Meus chefes riram e comemorei tomando uma cerveja feita com café junto aos meus chefes, Lidi e Eudes, e um casal de clientes, Marcelo e Roberta, que já viraram amigos queridos.

É engraçado como o Kaffe é o lugar onde eu queria chegar. Achei meu doutorado lá; realizei meu sonho de menina e de gente grande de servir café e comidinhas que combinam com a bebida; fiz amizades com clientes incríveis; fiz irmandade com os outros baristas (Carol, Gabi e Zé Vitor), além dos chefes mais carinhosos e que posso aprender demais, Lidi e Eudes; recebo a Tati Peebles e suas histórias da Yaguara...

É incrível como o café me fez realizar sonhos.

E como ainda tem tantos pela frente com o aroma de café recém moído...

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