Eu
não pretendia escrever esse texto. Minhas últimas postagens foram voltadas à pauta
feminista sem querer. E olha que eu já disse que eu não era feminista no
passado. Que eu lutava pela “igualdade dos gêneros” sem ser feminista. Pois é.
Ninguém é perfeito, não é mesmo? Não nascemos desconstruídos. A vida vai nos
ensinando e vamos aprendendo. O que seria da vida se já soubéssemos de tudo, né?
O importante é partir do ponto de que somos um nada que se constrói a cada dia.
Na
verdade, eu ia escrever sobre a razão de não ter postado nas últimas semanas:
finalizei o mestrado. Bem, quase. Falta defender oficialmente. Mas a
dissertação já está impressa e entregue. Então eu ia escrever um pouco sobre
minha relação com a universidade e o quanto minha pesquisa foi importante na
minha descoberta comigo mesma.
Semana
passada, eu entreguei as dissertações, fui pra evento sobre Hannah Arendt (a
mulher foda que uso na minha análise de pesquisa) acompanhei alunos em
atividade de campo... foi muita coisa, mas foi uma semana de uma felicidade que
eu não sentia há anos. Cheguei em casa na quarta feira tão feliz e me sentindo
bonita que decidi tirar umas fotos que já queria tirar há uns meses. Peguei a
câmera, coloquei no timer, soltei o cabelo e foi.
Foram
fotos que eu precisava mostrar pra mim (e para o mundo, talvez) pra dizer: “olha
como você amadureceu. Olha como você se tornou a mulher que você queria ser. Ou
que sempre foi, mas sempre se deixava esconder”. Acabou que eu amei o resultado
e decidi postar no instagram.
Eu
sempre tive baixa autoestima. Nunca me senti suficientemente bonita. Me achava
a amiga feia. Sempre tinha dificuldade de me colocar no mundo como eu me sentia
de verdade por dentro. Acontece que esses dois anos de mestrado não foram só de
pesquisa acerca de indicações geográficas, mas de pesquisa sobre quem eu era.
Sobre minha relação com minha cidade natal, com meus amigos... Foi uma autodescoberta.
E talvez por isso, nesse fechar de ciclo, eu tinha que me apresentar novamente.
Eu tinha que apresentar ao mundo essa Bruna que estava escondidinha e agora
vivia e se colocava no mundo, porque agora ela estava confortável com ela
mesma.
Até
um amigo comentou: “Poxa, Bruninha. Você está irradiando. Você sempre foi essa
mulher, mas parece que agora você SE SENTE essa mulher forte. Você saiu do
armário”. E era isso que eu sentia. Que agora eu sinto. E me senti feliz de uma
maneira que eu não sentia há anos. Pra ser exata, desde setembro de 2013.
Daí
que hoje, meu pai veio comentar comigo sobre as fotos. Dizendo que não tinha
gostado e que acredita que uma mulher inteligente não sente necessidade disso.
E que se eu sou uma quase mestra e que pretendo dar aulas, será que fotos como
essas cairiam bem para uma professora universitária?
Eu
nem preciso falar muito para dizer o quanto isso me afetou. Então quer dizer que
algumas fotos fragilizam a minha inteligência? Que uma foto minha de blusa me
faria uma professora ruim? Ou de honra questionável? Se é que isso existe? Que
uma foto dá margem a ser desrespeitada por alunos ou colegas de trabalho? Ou
que põe em xeque meu conhecimento?
Que
uma foto desmerece as quatro línguas estrangeiras que falo (sem contar minhas
aventuras no finlandês)? Que uma foto desmerece minha graduação em Direito em
uma universidade federal e um mestrado em geografia em outra federal? Que
desmerece o reconhecimento que já tive de professores estrangeiros? Que retira
o convite que recebi de fazer doutorado no Canadá? Que desmerece todo o
trabalho e reconhecimento que já tenho de alunos da graduação em ciências
sociais e geografia da Universidade Federal de Pernambuco? De comunidades
produtoras que venho trabalhado nos últimos anos (tanto em Alagoas como em
Pernambuco)?
Será
que uma mulher não pode ser bonita e inteligente? Será que uma mulher não pode
ser sensual e ser cientista? Então quer dizer que uma mulher inteligente não pode
ser modelo, por exemplo? Será que temos que escolher entre sermos mulheres
livres pra usar batom vermelho ou sermos cientistas? Será que uma mulher
inteligente não pode sair na rua sem sutiã porque isso é coisa de mulher que
não se dá ao respeito? EXISTE MULHER QUE NÃO SE DÁ AO RESPEITO?
Então
pra sermos inteligente nós, mulheres, temos que nos vestir mulambadas para sermos
levadas à sério? Na academia, na política? Temos que nos vestir como homens
para passar credibilidade? Temos que ficar de terninho sempre para mostrar ao
mundo que devemos ser ouvidas e que temos sim conhecimento a ser ouvido e
levado à sério?
Por
alguns minutos, fiquei incrédula e extremamente magoada. Principalmente vindo
dessa pessoa. Apesar de não me ser novidade o posicionamento machista que já me
magoou inúmeras vezes. Entretanto, agora, eu sou uma mulher que saiu do armário
e que tem muito orgulho de onde chegou. Que depois de tanto tapa na cara, de ter
enfrentado tantas batalhas, internas e externas, não embarga a voz para se defender.
Nem para defender as inúmeras mulheres que também precisam da minha voz. Não
apenas para lutar por elas, mas para fazer com que elas SE OUÇAM! E busquem
também colocar essa voz pra fora.
Meu
amigo me lembrou do podcast Maria vai com as outras da Rádio Piauí, no qual
teve um debate sobre a mulher que envelhece (clica aí pra ouvir esse episódio que é incrível!). E trago aqui um trecho do episódio
que me tranquilizou e me disse que sim, eu sou uma mulher da porra e vou
continuar sendo essa mulher da porra, sensual e inteligente pra caralho.
“Aí eu fui pra uma conferência internacional e eu usava mini saia. Aí uma cientista, não brasileira, veio dizer que achava que eu ia ser melhor aceita se eu me vestisse assim mais simplinha: jeans e camiseta. Quem sabe eles não percebessem que eu era mulher. E aí eu decidi que todo mundo ia perceber que eu era mulher. O tempo todo. E mesmo assim iam ter que me aturar. [...] “Márcia, tu num acha que quer o melhor dos dois mundos? Tu quer vestir saia curta, salto alto, usar batom e ao mesmo tempo fazer ciência. [...] Tu tem que optar.” Há uma visão equivocada de que em algum momento a gente tem que fazer algumas opções, quando não é necessário fazer opção. [...] A gente tem que entender: eu vou fazer aquilo que eu quero fazer. [...] Nem todo mundo consegue fazer isso: as pessoas tímidas, as pessoas quietas, as pessoas que não conseguem ser ouvidas, tá, porque todo mundo tem voz, mas as pessoas às vezes não conseguem ser ouvidas, elas vão ter mais dificuldade pra fazer. Então eu compreendo que as pessoas que nasceram com a capacidade de ter voz mais alta, de brigar mais, de ter um certo prazerzinho na briga, tem a obrigação de fazer isso. Que é o meu caso. Eu sinto isso como uma obrigação, de todo o tempo, cutucando, o tempo todo sobre esse assunto. Pra ver se as pessoas acordam que tudo é possível, pra poder explorar melhor ciência. E que isso não impede que eu tenha adquirido um conhecimento de ciência, de vida, que é respeitável. Não é minha saia que torna meu conhecimento não respeitável. Não é o meu batom vermelho, não é o salto alto, não é nada disso que torna meu conhecimento desrespeitado. É o conhecimento que tem que ser visto. E é esse respeito que eu exijo. Eu não vou me deixar ser interrompida, ser tirada da minha posição. [...] Vou incomodar até o final dos tempos”.
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