quarta-feira, 15 de maio de 2019

Let it go


“Por que ela termina sozinha no castelo de gelo? Porque ela é lésbica. [...] Eu fui menina, eu sonhei em ser princesa. Eu sonhei com meu príncipe encantado.”

Essa foi a pérola da semana da ministra Damares Alves falando da princesa Frozen, aka Elza. A Elza, enviada do cão, iria salvar a bela adormecida com um beijo gay. Pois é. A Disney quer fazer um crossover da Bela Adormecida com Frozen. Que a Damares não bate muito bem da cabeça, todos nós sabemos. E diante desse seu desequilíbrio (?), ela não nos mostra apenas o problema da homofobia no Brasil, mas esse papel incumbido da mulher de ser princesa.


Ano passado, mudando de canal buscando algo interessante para assistir, comecei a ver Malévola, aquele filme da Bela Adormecida com a Angelina Jolie. Como sabemos, a Bela Adormecida na versão da Disney acorda com o beijo do príncipe encantado. Depois de anos acostumada com essa versão, parei e pensei: “Meu deus, a Bela é beijada sem o consentimento dela! Isso é muito errado!”. E daí fui pesquisar a história original dos irmãos Grimm de 1813 e bem... A Bela Adormecida era na verdade estuprada por um rei. Tá, essa versão é realmente pesada para os Contos de Fadas dirigidos às crianças. Mas a versão de fada que fizeram também não é nada saudável.


Depois de anos em relacionamentos, esse ano estou solteira. Dentre esses relacionamentos eu: quase casei, passei por um relacionamento abusivo, namorei com um cara que depois descobri ter abusado de garotas. Se eu sou uma princesa, meu conto de fada é deprimente. E esse é o problema.


Crescemos com essa ideia de que nós, mulheres, iremos encontrar nossos príncipes. Que só seremos completas quando encontrarmos nossa metade da laranja. Que o objetivo da vida é casar e ter filhos. Nesses meses solteira, fiquei pensando: “será que vou atingir esse objetivo?” Mas... é esse o meu objetivo? Ser princesa e encontrar meu príncipe?


Foi um baque para mim não estar mais me relacionando. E você pode pensar: “mas que besteira”. Mas eu sempre estive mergulhada nessa cultura. É difícil desconstruir o castelo encantado. E por mais que você se veja feminista hoje, lutando pela independência das mulheres, lá no fundo, você ainda deve sentir esse resquício dos contos de fadas lá dentro.


Bridget Jones é um dos meus filmes favoritos e eu cresci amando ver Bridget sendo a solteirona destrambelhada, morando em um apartamento super legal, chorando e bebendo sem parar. E depois encontrando um Darcy. Mesmo nos filmes que tentam empoderar mais a mulher, no final, tem um homem. E eu não estou dizendo que tem que matar todos os homens não tá, só a Rihanna pode fazer isso por nós. Mas a gente NÃO PRECISA DE UM HOMEM PARA NOS EMPODERAR!


Estou acabando meu mestrado. Uma vez, minha tia me perguntou o que eu planejava pro futuro. Eu disse que queria seguir pro doutorado e queria fazer em outro lugar. Ela me disse: “Mas e seu futuro?”.
- Como assim, tia?
- Você não pensa em casar? Ter filhos?
Eu fiquei: meu deus, eu quero ser DOUTORA e a mulher vem me perguntar se eu quero casar ou ter filhos.
- Ah, sei lá. Se aparecer ótimo, se não, ótimo também. Mas pensando bem, pra quê ter filhos em um mundo como esse? Com o Bolsonaro prestes a ser presidente? 


Em um encontro com meus amigos e meu ex-namorado, meus amigos perguntaram a ele se ele ia morar junto da atual dele. Ele disse que não pensava nisso agora, mas via praticidade quando pensava na economia que era dividir o aluguel do apartamento e afins. Então no fim das contas, era mais uma questão utilidade. Eu ri e fiquei pensando: poxa, não quero isso não.

Imagina que maravilha você morar por conta própria. Pagar todas as suas contas com o dinheiro do seu bolso. Não dividir a cama todos os dias. Não ter que se preocupar com a vida não resolvida de macho, já que nós, mulheres, sempre acabamos sendo a 2ª mãe para ensinar como passa roupa; como se cuida; como limpa a casa e etc.


E não é que eu abomine a ideia de me relacionar. Afinal, como o tapa na cara que um amigo me deu uma vez: “No final das contas, todo mundo quer uma companhia. Quer um dengo. Quer aquele cheiro no cangote no fim do dia”. Mas primeiro, eu temos que aprender a NOS amar e sermos suficientes nesse amor. O que vem é bônus e não complemento.


Devo admitir que ainda estou em conflito. Depois de muitos anos em companhia, é um pouco estranho me ver livre dos direitos e deveres do contrato de relacionamentos. Mas aos poucos estou aprendendo a deixar essa ideia de ser princesa (Só aceito se for como a Liz Lemon).


E como a Elza, não existe só o amor do príncipe. O amor de irmã é um amor verdadeiro, por exemplo (e é ainda mais verdadeiro).

Acho, na verdade, que todas deveríamos ser Elzas.


Até porque a Damares errou. A Elza não é princesa. A ELZA É RAINHA.


E como rainha eu quero ter um castelo de gelo onde eu possa morar sozinha e chamar quem eu quiser, beijar quem eu quiser, amar quem eu quiser e ser quem eu quiser!

LET IT GO BEING A PRINCESS. I’M A FUCKING QUEEN, BITCH!


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