sexta-feira, 21 de setembro de 2018

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Jovens são expulsos do país por familiares conservadores


Os três primos foram perseguidos por advogarem pela verdade e pelos direitos humanos e individuais, mas foram retaliados por membros fascistas da família

 
Ottawa – 30 de dezembro de 2018
 
“Eu sempre tive vontade de sair do país, mas não esperava que eu fosse ser expulsa por membros da minha própria família”, disse Ana (nome fictício por não querer ser perseguida novamente pela família) em seu novo apartamento na cidade canadense de Ottawa, ao lado da irmã Mariá e do primo Bruno (nomes também fictícios). De acordo com a jovem de 27 anos, tudo começou no grupo do whatsapp que levava o nome da sua família por parte de mãe.

O marido de sua tia postou um áudio em que defendia a candidatura do ex deputado federal e futuro presidente do Brasil Jair Bolsonaro. “Depois que ele postou o áudio, minha tia favorita (a das poucas que prestava realmente na família), postou emojis de vômito”, falou Ana, “mas a esposa do meu primo, que já tinha sido racista com minha prima negra, colocou emojis de palmas. Eu fiquei muito indignada, pois ela já tinha sido preconceituosa com minha prima, além de calado o lugar de fala de uma afrodescendente em relação a fantasia de nega maluca”.

Mariá relembra que depois desse episódio, os membros da família que eram negros se afastaram mais das reuniões de família: “Foi horrível. São meus parentes mais próximos e por causa de uma sinhazinha de cabelo loiro e olhos claros, eles não se sentiram mais a vontade de se reunir com a família. E eu só vi essa mulher uma vez na vida! Aí agora ela vem defender Bolsonaro quando toda a minha família sabe que eu sou gay. Como defender um cara que diz que me bateria se me visse se beijando com minha namorada na rua?!”, fala Mariá claramente consternada, ela continua: “eu comentei que era meio absurdo defender isso quando se sabia da minha realidade. Mas a coisa ficou feia quando a Ana se posicionou”.

Ana mostra com orgulho a tatuagem que tem em homenagem ao sobrenome no braço direito. “Eu não podia deixar que pessoas que roubaram meu sobrenome sujassem ele, né?”, se referindo a esposa do primo e ao esposo da tia. Ela já tinha saído do grupo da família quatro anos atrás, na eleição passada. “As pessoas estavam defendendo o Aécio dizendo que ele era a melhor opção. Mas alguns anos depois todos vimos ele envolvido na Lava Jato e ainda ameaçando matar o primo né? Apesar de que até entendo agora esse sentimento” – disse rindo em conjunto com a irmã e o primo.

“Eu saí do grupo, porque eu realmente estava ficando doente daquilo. Eu sofro de ansiedade e depressão, ver pessoas defendendo absurdos realmente estava me fazendo mal. Mas ver pessoas que roubaram meu sobrenome defendendo Bolsonaro pra mim foi a gota d’água. E aí, foi quando eu soltei a boca no trombone. Usando o celular da minha irmã, claro”.
Ana diz que não tolerava que usassem o nome da sua família para defender uma pessoa machista, homofóbica, misógina, imbecil, racista, violenta e pactuada com a tortura como Bolsonaro. Ainda disse que só uma pessoa que não estudou história do Brasil e que não sabia interpretação de texto poderia cogitar votar em uma pessoa assim. “E no mínimo, uma pessoa que vota para o cargo mais importante do país compactua com todas as características de personalidade dele né?”.

“Até pouco, eu pensava que a fala da Ana tinha começado um pesadelo, mas na verdade foi a melhor coisa que aconteceu em nossas vidas.”, interviu Bruno. Depois do comentário de Ana, um dos primos favoráveis ao futuro presidente falou que a defesa de Ana era na verdade um discurso de ódio e que Bolsonaro era o melhor candidato para proteger o Brasil contra o feminismo e o comunismo, além de proteger a família e a igreja. “Eu nem li direito, porque claramente Ana só falou verdades. Mas respondi dizendo que qualquer pessoa com senso crítico poderia ver que a plataforma do Bolsonaro era absurda”.

No outro dia, Ana sofreu retaliações dos pais que exigiram que ela pedisse desculpas por ter agredido os familiares que se sentiram ofendidos pelo comentário. “É claro que eu disse que não me desculparia. Se a verdade dói, que eles falem com Deus, não comigo”, lembrou Ana. Falamos com os pais de Ana e Mariá. Professora e militante do sindicato dos professores, a mãe delas comentou: “Apesar de achar Ana muito... digamos... apaixonada pelas causas sociais e que acaba parecendo meio desequilibrada a forma como ela defende, senti muito orgulho da minha filha. Fez jus ao nome como faria minha avó. Infelizmente, as pessoas optam pela ignorância, pois eu sei que todos da nossa família tiveram oportunidade à educação e a construção de um senso crítico. Fico triste de não ter tido minhas filhas aqui no natal, mas sei que elas estão em um lugar melhor”. O pai delas comentou que Ana deveria mesmo assim ter pedido desculpas: “Ela deveria aprender a ser amável. O mundo é dos pacíficos”.

As perseguições começaram quando no aniversário de uma tia, os membros da família se reuniram. A esposa dita como racista pelos jovens expulsos, olhou para eles e depois de ver as tatuagens e os piercings que Ana, Mariá e Bruno tem, ela falou alto na frente de todo a família: “Quem tem piercing e tatuagem claramente não tem deus no coração. Minha filha vai ser bem educada para respeitar o próprio corpo como Deus defende. Isso é coisa do demônio”. Bruno relembra: “A Ana e a Mariá começaram a rir loucamente. Eu fiquei meio sem entender o ataque gratuito. Mas mais uma vez, Ana foi afrontosa”, ele fala rindo e olhando para prima que tinha acabado de abrir uma garrafa de vinho e me oferecido uma taça.

“Eu não fui afrontosa. Eu só disse que se o deus dela foi aquele da bíblia, tava tudo ok, porque eu não gostava dele também”, e continuou, “você já leu a Bíblia? O primeiro testamento? Aquilo é horrível! Deus é muito ruim!”. Bruno tomou um gole do vinho e continuou: “Daí a sinhazinha, como chamamos a esposa do nosso primo desde então, veio dizer que Ana era....” e ele começa a rir, mas completa ainda rindo muito “INTOLERANTE!”. Todos eles começam a rir que chegam a chorar.

Depois disso, eles começaram a sofrer retaliações todos os dias. Parentes ligavam para a casa deles dizendo que eles não eram dignos da família. Mariá comenta: “Nós não éramos dignos da família. NÓS! Por favor.... Nosso primo dizendo que o Bolsonaro defendia a família tradicional brasileira. A família dele era então? O avó um machista escroto que abandonou nossa avó com seis filhos; um tio que abandonou as filhas e já bateu na mulher; a irmã puta, nada contra putas, inclusive sou a favor, mas pra visão dele né?. E que ainda foi drogada! Nada contra as drogas também, sou super a favor, inclusive aqui no Canadá é legalizado” e aponta para a caixinha onde eles guardam maconha para relaxar depois dos dias de trabalho. “Aí ele vem defender a tradicional família brasileira com tanta coisa assim na família dele? Existe uma coisa pra isso: hipocrisia”.
Os pais dos jovens começaram a também serem retaliados caso não punissem os filhos considerados escória da sociedade. “Eu saí uma vez na rua com minha camisa da URSAL e uma tia viu e ligou para minha mãe dizendo que eu estava fazendo vergonha em público.”, falou Ana.

Foi quando o Bolsonaro ganhou que os ataques se intensificaram. Mariá, gay, lembra que ouviu em uma reunião da família que ela tinha sido mal educada e que não tinha levado pisa o suficiente em casa para ‘se endireitar’. Ana foi expulsa da casa da tia por vestir a camisa “Lute como uma garota” porque era feminista demais. Bruno foi humilhado por ter um piercing no septo porque brinco era coisa de mulher.

“Não aguentamos mais a violência. E foi quando surgiu a ideia de pedir asilo político”, lembrou Bruno. “Eu já tinha uma amiga que morava no Canadá. Ela facilitou muito na documentação para pedir o asilo político, foi mais rápido do que imaginávamos. Muitos canadenses ajudaram americanos quando o Trump foi eleito e pensamos que o mesmo poderia acontecer conosco”, falou Ana.

Foi quando Mariá foi ameaçada de agressão física pelo avô que eles decidiram arrumar as malas e partir. “Foi meio triste. Mas quer que eu seja sincera? Eu nunca gostei da minha família mesmo. Com exceção de alguns. O meu primo mais legal está aqui”, falou Ana abraçando Bruno e sorrindo. Bruno lembrou que sofreu bullying quando criança pelo irmão e primos que hoje eram eleitores do Bolsonaro e comentou “Vai ver a gente já não gostava muito deles por prever o futuro”, riu.

Hoje, os jovens dividem o apartamento e vivem felizes. “Aqui a gente se ajuda muito. Ana já tinha contatos para trabalhar aqui. Mariá trabalha com mídia social e não foi difícil trabalhar como freelancer e agora também trabalha para o Buzzfeed Canadá. Eu sempre quis vir morar aqui por ser designer de jogos. Tem melhor lugar que o Canadá pra isso? E modéstia parte, eu sou um designer da porra”.

“É incrível morar aqui. Eu morro de rir de ver que xingar uma pessoa é dizer palavras relacionadas a igreja católica. IMAGINA ISSO COM A SINHAZINHA?!” E mais uma vez caíram no riso. “E sabe o que é mais engraçado? Um dos primos que foi apático às agressões que estavam fazendo contra a gente, ligou pedindo pra gente levar um iPhone pra ele porque aqui na América do Norte era mais barato. Eu ri e disse: Meu cu”. 

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