sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Sobre os familiares bolsonaristas

Conseguimos. Chegou a hora que o Jair já foi embora. Lula já tomou posse, Resistência subiu na rampa, o povo brasileiro passou a faixa para o nosso presidente. 

Mas… O que a gente faz agora com os familiares bolsonaristas? E os amigos bolsonaristas? Antes, eu até diria: “se é bolsonarista, não é meu amigo”. Até o dia que uma das minhas melhores amigas me surpreendeu com discursos estranhos e um até então namorado olavista (que virou marido). Eu ainda não processei isso no meu coração e apesar de tudo, ainda a amo, pois são anos de amizade e eu ainda não entendo como ela, que dizia que foi golpe no impeachment de Dilma, me disse “você tem que sair da sua bolha feminista, cientista e de esquerda”. Logo eu, mulher, pesquisadora social, filha de sindicalista da educação. Foi um golpe no coração, mas me afastei um pouco para me manter sã. Mas ainda dói. É um luto. 

Isso porque é minha amiga. E o que fazemos com familiares? Quando as ceias de natal com a mesa cheia não existem desde 2018? Eu não estou no grupo da família no Whatsapp desde a eleição do Aécio, porque desde então a criação de fake news já estava me incomodando e me cansando ter que explicar que os vídeos eram mentirosos. Mas desde 2018, as coisas apertaram ainda mais. Já fora do grupo da família, eu ainda mandei uma mensagem pelo celular da minha irmã dizendo que não tolerava defenderem um misógino, racista, fascista, machista (e todos os istas que sabemos do carcaça com cabelo). Joguei a bomba no grupo e saí. Era tarde da noite e no outro dia recebo mensagem dos meus pais exigindo que eu me retratasse, que eu devia desculpas para o marido da minha tia. Acontece que eu não me desculpo por falar a verdade. Então fingimos que nada aconteceu e seguimos. Meu pai estava descrente que o carcaça com cabelo poderia ganhar. E ganhou. E eu e minha irmã choramos na noite do segundo turno com medo do que viria. Meus pais nos abraçaram e disseram que estávamos exagerando. Acontece que não estávamos. 

Foram mais de 500.000 mortes que poderiam ter sido evitadas. Foi o aumento de 474% no registro de armas de fogo no Brasil. Foi o desmantelamento de ministérios importantes como o da ciência e tecnologia, o da educação… Para não falar o da saúde! Sem falar da vacinação da COVID, os demais imunizantes também tiveram seus planos destruídos a ponto de termos levado um susto com uma possível volta da poliomelite. A normalização da violência, o aumento de casos de feminicídio, o emparelhamento da PRF, os ataques à democracia e às instituições… Todos nós já sabemos disso. 

Bem, quase todos, pois o que fazemos como os familiares que ainda são bolsonaristas? O que fazemos com aqueles que dividimos alegrias e tristezas, que dividimos as férias na casa da vó, que sabemos de seus erros mais graves (que inclusive são rechaçados no discurso bolsonarista)? Como lidar com familiares que permitem a normalização da violência contra seus melhores amigos que acontecem de serem parte da comunidade LGBTQI+? Como lidar com familiares que negam veementemente seus anos de pesquisa? Seus anos de trabalho? 

Meu pai, aquele que exigiu que eu me retratasse com o marido da minha tia, achava que eu e minha irmã estávamos exagerando quando choramos naquele segundo turno. E nos últimos 4 anos, depois que eu disse que ele tinha sido doutrinado no exército depois que ele disse que não tinha sido golpe em 64, mas revolução, começou a se interessar por leituras mais… à esquerda. Vi meu pai buscando outras fontes que não apenas o Jornal Nacional ou o Jornal da Band. Lendo Hannah Arendt, lendo As Veias Abertas da América Latina e até mesmo lendo O Capital por Carlo Cafiero (que aliás, é anarquista). Vi meu pai e minha mãe assistindo Rita Von Hunty, que tá, tá, eu sei que tem diversas críticas, mas É UM AVANÇO! Eu não preciso dizer muito da minha mãe, pois: a) professora; b) freiriana; c) sindicalista. Mas devo dizer que foi bonito ver o crescimento do meu pai. E não é pela questão ideológica. É em ver a curiosidade dele levá-lo à leituras que fortaleceram o senso crítico de ver que o até então presidente era fascista. E que aqueles que deliberadamente defendiam seu governo, eram coniventes com a covarde violência que seu governo trazia. E diante dos meus olhos, vi meu pai, aquele da boa vizinhança que queria que eu pedisse desculpa para o marido da minha tia, responder no discurso de Lula “vou pensar no seu caso” quando o nosso presidente falou “É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras.”. E de fato. 

Meu pai saiu do grupo da família; não responde o ‘oi’ que o tio bolsofascista manda e disse que não está preparado para ir nas reuniões de família que os maridos bolsofascistas das minhas tias vão. Eu julgo? Não. Até porque até pouco tempo era EU a rebelde, a que falava as verdades na cara, a que não tinha paciência com quem estava começando… Mas é estranho ver meu pai nisso. Apesar de todo o orgulho que eu sinto dele. 

Então eu pergunto: o que a gente faz com esses familiares? Tudo bem que familiar a gente não escolhe e boa parte deles (dos bolsofascistas) eu já não gostava mesmo, né? Porque rola aquela identificação. Meu primo favorito, apesar de não nos vermos muito, sempre que a gente se vê, conversamos horrores e sempre nos ajudamos. Mas o que faz com aqueles que a gente já não gostava muito, que era só aquele primo distante que às vezes você dá oi, ri de alguma piadinha, deliberadamente se diz a favor de um governo que defende uma política genocida? Porque uma coisa é não gostar. Outra coisa é saber que aquela pessoa que compartilha teu sangue é uma verdadeira pessoa escrota pra caralho que você só quer meter o tapa na cara e dizer: tenha vergonha, você teve oportunidade de estudar, seu merda! (porque de duas, uma: ou o bolsofascista é ignorante e não teve oportunidade de desenvolver seu senso crítico ou é um mau caráter mesmo). 

No dia 1 de janeiro teve um almocinho de família e eu não fui por estar cansada/de ressaca da festa de revéillon. Mas meu pai não foi por não querer ver bolsofascista. Ele tá errado? Não. Mas ainda é muito estranho para mim ver isso. E não que eu também queira ver os familiares bolsofascistas. Os que eu sempre gostei não são (e aí a gente vê que laços de sangue não é nada) e estou sempre em contato com eles. Mas como fica a tal da família? Ainda não sei dizer. Não tem como esconder um fascista no armário depois que ele sai e fingir que está tudo bem. E apesar de agradecer ao carcaça com cabelo de ter mostrado isso, é ainda mais triste perceber que EXISTIAM fascistas nos meus laços de sangue. 

Acho que apesar de sangue, são laços que apesar de entrelaçados ao meu passado, podemos desatar.


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Sou filha da Petrobrás

Há algumas semanas foi anunciada a venda de campos de gás e petróleo da Petrobrás no Estado de Alagoas. Nada novo sob o Sol. Há alguns anos vemos o desmantelamento de uma das mais importantes empresas de Petróleo do mundo. Desde o ano passado, venho sentindo na pele a tristeza de ver uma parte da minha história caindo. Sim, minha história. Meu pai trabalha na Petrobrás desde que eu nasci e a questão é que a Petrobrás não é somente o lugar que meu pai trabalha e que está se desintegrando diante dos meus olhos. Ela é muito mais.

Muitas pessoas veem a Petrobrás apenas como a empresa que trabalha com petróleo e abastece o Brasil com gasolina e Diesel. Mas não observam que a história da empresa se mescla à história do próprio país. Nós, brasileiros, lutamos muito para conseguir construir essa empresa. Para conseguir construir o que chegou a ser uma das empresas mais respeitadas do ramo no mundo. Mas a Petrobrás conseguia ir mais além.

Quantos filmes vimos com o patrocínio da Petrobrás? Quantos projetos culturais? Quantos centros de pesquisa foram desenvolvidos no país graças à empresa? Quantas vezes sentimos orgulho de sermos brasileiros com descobertas realizadas pela empresa como o Pré-Sal? Quantos cientistas puderam construir carreiras graças aos investimentos da Petrobrás? Eu não sei te dizer números exatos, mas eu nem tenho como contar, pois sei que são inúmeros.

Eu sou filha de um empregado da Petrobrás. E mesmo só sendo a filha, eu sempre senti que a Petrobras fazia parte da minha vida. Nas vezes que meu pai me levava ao Clube dos funcionários da empresa e eu conhecia os filhos de outros funcionários, construindo laços intermediados pela companhia. Quando criança, quando não tinham livros infantis em casa, meu pai pegava a revista da Petrobrás para ler para mim antes de dormir. Sim, eu não entendia nada, só queria que meu pai lesse para mim. Mas estava ali, a Petrobrás. A empresa sempre homenageava os trabalhadores pelos anos dedicados à empresa e nós, familiares, íamos às cerimônias e víamos o quanto a Petrobrás também era nossa dedicação. Meu pai sempre viajava a trabalho pela Petrobrás e aquilo acabava comigo. Por 3 anos seguidos, ele viajou no dia do meu aniversário. Mas quando eu via as propagandas da Petrobrás na TV ou os patrocínios da empresa para setores da educação, ciência e cultura, eu pensava: é por um bem maior.

Orquestra Sinfônia da Petrobrás toca Uirapuru de Heitor Villa-Lobos

Eu lembro quando teve o acidente da Plataforma P-36 em 2001. 11 pessoas morreram. E eu nem as conhecia. Mas para mim, foi como se tivesse morrido pessoas da família. E eu tinha só 9 anos, mas lembro que aquilo me deixou um vazio.

Ver a logo da Petrobrás sempre me trouxe muito orgulho. Quando meu pai vestia, literalmente, a camisa. Quando eu via o Ararajuba, aquele passarinho mascote da empresa, eu sempre sentia aquele calorzinho no coração. E hoje, eu vejo tudo desmoronando.

Quem lembra do Ararajuba que teve nos postos da Petrobrás na Copa de 98?

Me preocupa pessoalmente a situação da Petrobrás, pois me preocupo com o futuro do meu pai, claro. Mas me preocupa também pois eu sei que é minha história. É a história do meu país. Não é só minha história como filha de petroleiro, mas como cidadã brasileira. É suor, sangue e vida de muitas pessoas. É a cultura brasileira. É a ciência brasileira. E também é o futuro do Brasil, sendo apagado antes mesmo de conseguir se escrever. 

sábado, 15 de agosto de 2020

O mindset do caralho da quarentena

Há algumas semanas em quarentena na casa dos meus pais, uma amiga manda o print de um comentário de um vídeo da Jout Jout:


Tive que vir a casa dos meus pais porque minha mãe quis por ser mais seguro (e mais confortável) ficar em Maceió do que Recife.

Aí eu começo a pensar:

Vou ter que lidar com um lugar que, apesar de ser meu ninho, eu busco sempre estar longe. Mas tenho que ter paciência. Aí começo a lidar com uma rotina que não era a minha há mais de 3 anos e a ansiedade começa a aflorar. E daí eu penso: mas eu tenho que ser grata por ter uma casa, meus dois pais junto comigo e minha irmã. Mas ao mesmo tempo eu sei que lidar com o temperamento do meu pai é um pouco difícil para mim, mesmo com tanto tempo na terapia. Mas ao mesmo tempo vem em mente: nossa, Bruna, mas você é privilegiada de ainda fazer terapia, não deveria estar reclamando – vide o que eu vi no Instagram sobre ser grata diante de tanta merda acontecendo. Mas para começo de história, eu nem queria ter ansiedade nem depressão para não precisar ir para terapia há quase 7 anos e ainda ter que ir pra psiquiatra há 2 anos (já que eu tive uma crise absurda de depressão e passei meses em off me tratando). Vou ficar então focada nos estudos. Fiz um monte de curso online (já que liberaram diversos gratuitamente) e mal deu pra acompanhar todos. Fiquei: é de graça, tenho que dar conta. ESTUDE ENQUANTO ELES ESTÃO DORMINDO. Também estudei para o doutorado. Mas aí, no começo da quarentena eu recebi o e-mail dizendo que meu projeto de doutorado foi negado na universidade que queria. Tudo bem, foi a primeira tentativa. Mas e se academia não for a minha área mesmo? E se eu tivesse abandonado Direito quando eu pensei em abandonar e tivesse feito uma outra graduação numa área mais legal, como Jornalismo, como eu pensava? E se eu não tivesse feito mestrado em Geografia e me apaixonado e decidido seguir a carreira acadêmica? Eu decidi ser pesquisadora em um dos piores países pra isso e gastei o resto do meu dinheiro que juntei com a bolsa do mestrado investindo nessa carreira. Estou metida em um monte de projeto sem ganhar um tostãozinho pra comprar um café bom. Sou formada em Direito, por que DIABOS eu não me dediquei a concurso público naquela época? Poderia estar em algum apt do Minha Casa Minha Vida, casada, planejando ter filhos... Ou não, talvez só com um apt do Minha Casa Minha Vida mesmo, mas com dinheiro pra estar bem e independente. Aí eu passo o dia atrás de emprego e ainda me dedicando aos inúmeros projetos da Universidade que estou envolvida e minha mãe: você fica muito no seu quarto trabalhando, deveria ficar mais conosco. E eu fico mais ansiosa pois sei que deveria fazer essas coisas todas, mas ao mesmo tempo tenho que ‘estar’ presente em casa, pois tem gente aí perdendo os entes queridos pra uma bactéria filha da puta e eu fico mal por ainda não ser totalmente independente. Mas ao mesmo tempo eu fico: mas eu preciso me dedicar pra ter minha carreira, meu dinheiro e poder pagar coisas para os meus pais, dar um chamego legal com algum jantar, uma viagem. Mas aí eu penso: MAS SERÁ QUE EU VOU TER UMA CARREIRA? E a ansiedade já me atacou diversas vezes (uma crise foi tão fudida que tive que sair e ir para a praça perto de casa (a praça é deserta e não tinha ninguém), no meio da noite, para respirar ar puro, chorar e tentar tirar da minha cabeça pensamentos não tão saudáveis para quem sofre com saúde mental) e o medo de ter uma crise de depressão novamente me assombra de uma maneira que eu não sentia há anos. Mas aí aparece no feed do Twitter o vídeo de uma blogueira aí dizendo que eu sou privilegiada de ter um teto, um celular e internet. E eu fico: é verdade... Mas isso não deveria ser privilégio né? Porém isso me deixa ainda pior, porque sei que tem pessoas em situações piores do que a minha, mas minha mente está me corroendo tanto que ontem eu tive uma crise de ansiedade o dia INTEIRO. Há dois dias tive que ir ao consultório da minha psicóloga para assinar as vias de todas as consultas remotas que tive desde abril e fiquei noiada de ter pegado covid entrando no empresarial. Acabou que eu SONHEI que saía de casa sem máscara e acordei com falta de ar e o peito apertado jurando que já tinha que ir pro respirador (ou o que quer que seja) porque peguei covid, certeza. No sonho, eu ia numa loja de roupas e tinham três bolsonaristas sem máscara falando bosta e quando elas diziam que eu tinha que estudar mais, eu dizia: “E você precisa deixar de ser tão burra!”. Passei o dia inteiro monitorando minha respiração quando, racionalmente, eu sabia que era só ansiedade. E eu fico com medo de dizer aos meus pais, pois eles ainda não entendem bem o que é ansiedade ou depressão. Mas ao mesmo tempo eu fico: tenho que ser grata, não posso reclamar. Mas aí eu penso: mas porra, eu sou humana, eu sinto essas coisas e não quer dizer que eu não ame meus pais se eu não posso ficar com eles por horas seguidas para poder me dedicar à essa carreira fudida na academia que, apesar das dificuldades, eu amo demais. Mas aí vem na minha cabeça a galera do Twitter que vai dizer: ah, lá vem a privilegiada reclamando de saúde mental. TALVEZ POR QUE EU TENHA TRANSTORNO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO E NÃO IMPORTA SE EU TENHO TETO E COMIDA EU VOU FICAR DESMEDIDAMENTE PREOCUPADA E AFLITA JÁ QUE TEM UM MONTE DE MERDA ACONTECENDO NO MUNDO, INCLUSIVE AQUI DENTRO DA MINHA CABEÇA E MESMO TENDO TUDO, EU ESTOU DESEMPREGADA, PERDIDA E NÃO SEI SE TENHO JEITO NESSE MUNDO DE BOSTA COM UM VÍRUS FUDIDO ATRAPALHANDO TUDO?

 

Mas aí minha mãe chegou no meu quarto e mostrou a máscara que ela fez para doar para comunidades pobres de Maceió; meu pai está conseguindo lidar com as mudanças no trabalho; minha irmã encontrou um emprego massa (e que apesar d’eu ficar muito orgulhosa dela, eu fico pensando: será que vai chegar o momento em que eu vou conseguir algo assim?); meu projeto de doutorado está ficando mais alinhado; montei uma equipe de pesquisa e estudo em café que está se fortalecendo e me inspirando maravilhosamente e minha gata dormiu comigo hoje.

 

É. O mindset dessa quarentena é um caralho de bosta. E dizer que essa quarentena veio pra ajudar a ver coisas... olha, eu mando você tomar no cu mesmo. Essa bactéria filha da puta só veio pra piorar uma situação que já estava fudida.

 

Mas a gente vai aprendendo. E esperando a porra do caralho dessa vacina porque eu não aguento mais.

terça-feira, 14 de abril de 2020

O Tempo.


[Trilha desse texto: A quiet life, Teho Teardo & Blixa Bargeld ]
“Eu ainda tenho tempo. Por que a gente fala isso? “Ter tempo”. Como podemos ter tempo se é ele que nos tem?”
Jonas, Dark – 6 ep, 2 temp. O ciclo sem fim) 
Existem duas máximas na filosofia da minha mãe que sempre me perseguiram:

  •   Se pode fazer, faça logo;
  •   Se é você que quer, não espere por ninguém.

Nos últimos meses, essas máximas martelavam fortemente na minha cabeça, apesar de ainda não dar a devida atenção a elas. Até que o COVID-19 veio como um tsunami não apenas de preocupação à saúde pública, mas como uma transformação em toda a sociedade como a conhecemos hoje. O jornal El País já nos traz que o mundo pós-ocidental chegou: nações como os Estados Unidos não são mais referência de Poder como costumávamos pensar. É fato que são os conflitos e crises propulsores das mudanças e avanços. E são nesses momentos de completo desconforto que precisamos rever o status quo e ver até que ponto ele ainda se sustenta.

Essa semana, uma amiga postou um texto curto e interessante no Instagram. Ela citou os conceitos da economia e tecnologia disruptivas; do fim da estabilidade como a conhecemos hoje; sobre testar limites e se colocar no desconhecido. As últimas semanas foram de verdadeiros debates sobre os modelos econômicos e o futuro do trabalho. E na verdade, esse debate não é novo. Mas foi necessária uma pandemia vir e abalar todas as estruturas para mostrar às pessoas que não sabiam (e às pessoas que já sabiam, mas talvez não quisessem ver) que a adversidade é a fundação de tudo.
A noção de estabilidade é ilusão e aquele que não ousa sair desse status quo ou da tão querida zona de conforto, está fadado ao desconforto constante ao mundo que só existe pelo caos. E não, o caos não é ruim ou excruciante pela falta de organização. Mas é na complexidade do caos que somos compelidos a crescer.

Nunca me agradou a ideia de me aquietar em um só lugar. Nunca me vi fazendo uma só coisa pela minha vida inteira. Para ser sincera, nunca criei raízes em um lugar e ainda sinto que estou distante de criar, se é que irei algum dia. Não há raízes em lugares, pessoas ou mesmo ideias, pois são coisas em constante mutação. E se não sofrem de mudanças, não valem a pena de atenção.

Nos últimos meses eu vinha sentindo todo o desconforto da estabilidade ilusória e as máximas da minha mãe vieram à mente como pregos que foram martelados por um vírus que ninguém esperava. A agonia do lodo se formando ao redor dos meus pés, nas conversas que pareciam estar em um loop constante, observando a poeira encrustar nos móveis de uma maneira que eu não posso limpar.

Não temos Tempo. Tempo é algo que existe sem nossa intervenção e que nos come se não consideramos que sim, ele nos come. Não é algo linear como uma linha desenhada no chão em que andamos em cima, mas algo que nos engole sem linearidade alguma. O passado que influencia o futuro e um futuro não palpável, existente, que se forma a partir de um antes e um agora.


E acaba que meus pés, agoniados pelo lodo, começam a formigar. As engrenagens que se moviam em um compasso habitual, começam a estrondear de uma maneira familiarmente desconhecida. E que apesar da urgência desse estrondo ser constante em mim, eu tenho que ir atrás desse desconhecido desejado agora, sem esperar por ninguém, antes que o tempo me engula.

domingo, 26 de janeiro de 2020

Inícios


E a última folha daquele calendário da farmácia que fica na geladeira foi para o lixo. A agenda 2019 já foi colocada na gaveta e o mundo finalizou mais uma volta ao redor do Sol. Tá, muita gente diz: mais um dia COMO QUALQUER OUTRO. Mais um ano sob o governo Bolsonaro que a gente mal aguentou 2019 e já nem sabe o que esperar de 2020 de tanta merda que já aconteceu. 2020 mal começou e já teve ameaça de 3ª guerra mundial. Mas apesar disso tudo, como é boa essa sensação de começo né?

E 2020 é um ano visualmente tão redondinho. Simétrico. O primeiro passo para uma nova década. E de pensar que há vinte anos estávamos pensando no bug do milênio (Jesus Maria e José, eu lembro do bug do milênio, como assim?).


Eu sempre achei clichê aquela frase do “hoje é a primeira folha em branco de um caderno de 365 páginas. Escreva-o bem!”, apesar de um caderno novinho ser incrível. Mas num mundo de bulletjournals super fofinhos e bem decorados invadindo nossos feeds, percebo que a gente fica meio ansioso em querer ter cadernos perfeitos, em atingir as metas que pensamos para esse novo ano (como escrever mais nessa newsletter abandonada) e no fim das contas, acabamos ficando soterrados emocionalmente por essa vontade de começar de novo... quando isso nem existe.


Essa sensação de ‘uma nova chance’ é maravilhosa. Sei lá, dá um boost de energia como se realmente fossemos um livro em branco. A verdade é que se somos um livro em branco, 2020 é o tomo 28 da Barsa chamada minha vida. Existe um mundo antes desse livro que está nas primeiras páginas escritas e eu tenho que levar em consideração os tomos iniciais para escrever bem as próximas páginas.


Sempre é bom se jogar em algo novo. Viajar para um lugar diferente na louca, sem muito planejamento. Só deixar a deusa me levar. Mas bem, se eu decido ir amanhã para o Canadá visitar minha melhor amiga, eu provavelmente ia chegar em Montreal e congelar de frio. Não seria melhor antes de ir me perguntar: como será que está o clima lá? Me conhecendo bem, não seria melhor levar mais roupas para me aquecer já que passo frio mais fácil? Acho que seria legal eu levar um presente pra minha amiga. Já que quero andar muito, não seria melhor levar só tênis e bota ao invés de sapato de salto?

O que quero dizer é: no início de qualquer coisa, seja uma nova carreira, um novo ano, um novo caderno, é fundamental se conhecer. Eu fico irritada com aqueles textos do Medium: Comece 2020 acordando cedo e se torne uma pessoa de sucesso. Porque isso é impossível! Cada um tem seu ritmo. Há 15 anos eu acordava às 05h30, caminhava ouvindo podcast em francês pra estudar, voltava pra casa, me arrumava, ia pra escola e à tarde ainda fazia cursos pro vestibular. QUEM ERA ESSA PESSOA?! Ela já habitou o meu corpo? Hoje, levantar da cama pra mim é uma tortura. O despertador é meu pior inimigo.  


Há 5 anos, eu preferia fazer exercícios no fim da tarde ou início da noite. Hoje, eu prefiro acordar às 8h, 9h da manhã e ir pra academia, pois o exercício pela manhã me deixa mais disposta para o resto do dia (Inclusive hoje é domingo e eu fui pra academia. COMO ASSIM, QUEM É VOCÊ PESSOA QUE ESTÁ HABITANDO MEU CORPO?!). Fazer exercício à noite afeta meu sono.

Como diz minha mestra fitness: TEM QUE MALHAR PRA FICAR FORTE E METER O SOCO EM FASCISTA!
Somos seres em constante construção (e desconstrução). Por que começar um novo ano com páginas em branco? Prefiro imaginar 2020 como um novo capítulo de um livro cheio de dicas que eu já escrevi antes para me ajudar a desenhar, rabiscar e escrever novas histórias.

sábado, 5 de outubro de 2019

As bolinhas de leite no fundo do café


No último dia primeiro de outubro foi dia internacional do café. Eu estou um pouco sumida desse blog e da caixa de e-mail por causa do café. Desde agosto, sou barista freelancer e estou desenvolvendo meu projeto de doutorado que envolve o que? Café. O nome desse blog é em homenagem a essa bebida que eu sou apaixonada desde criança. Desde criança? Sim. Pois é. Minha mãe tomava café com leite em pó e no fundo da xícara ficavam aquelas bolinhas de leite que eu sempre pedia a ela quando via que ela estava terminando o jantar. O sabor do café adoçado era acolhedor. Minha mãe não gostava que eu tomasse café, mas sempre que eu passava as férias na casa da vovó ou na casa dos meus primos, eu tomava uma xícara de café com leite e açúcar escondido. Uma das minhas brincadeiras favoritas era ‘brincar de cafeteria’, onde eu fazia café e comidinhas de mentirinha e oferecia para os meus clientes de mentirinha.

Mais velha, conheci amigos que também amavam tomar café. Na época, ninguém preparava café coado, então eu tomava aquele velho café solúvel. Certo dia, na falta de leite em pó, uma amiga me introduziu ao café preto. Amei. Meu café passou a ser preto feito o céu da noite, estrelado com os cubinhos de açúcar que eu ainda mergulhava na bebida.

No colégio, eu fiz amigos que gostavam ainda mais de café do que eu. Uma amiga, Débora, levava uma garrafa térmica e eu levava biscoitos de banana e canela e passávamos o intervalo bebendo café e comendo os biscoitinhos, conversando sobre os livros que estávamos lendo e as séries que estávamos vendo. Todo mês nos reuníamos na casa da Bruna, onde eu me aventurava em alguma comidinha que acompanhasse o café. Fizemos tortas de café e chocolate, torta de maçã... Tudo acompanhando bem uma xicrinha. E dessa vez não era mais café solúvel. Débora ABOMINAVA e agora eu só tomava coadinho na velha Melitta. E já não tomava com açúcar, pois queria saber o gosto do café sem aditivos.

Eles foram os que investiram nessa minha paixão. Como eu era a que mais gostava de ficar na cozinha e me aventurar nas receitas que harmonizassem com o café, eles me presentearam com uma cafeteira e um conjunto de xícaras que até hoje tenho. Eu sei que na verdade não foi um presente, mas um investimento para que eles sempre tivessem café fresquinho.

Dia de análise sensorial com uns amigos. Reuni quase 20 pessoas na casa dos meus pais para provar café em métodos diferentes
Comecei a me interessar na bebida e a seguir perfis no Twitter sobre café. Até que encontrei a Revista Espresso. Segui e num sorteio, ganhei garrafas térmicas e duas xícaras lindas. Assinei a revista e comecei a entender mais do mundo do café especial. Não fazia ideia do caminho que aquele grãozinho levava até chegar na minha xicrinha. Eu sou de Maceió e na busca por cafeterias que pudessem me oferecer um bom café, eu sofria. Até que em 2012, meu ex namorado foi morar em São Paulo e passei um mês lá. E daí entendi o que era uma cafeteria. Conheci o Coffee Lab e me apaixonei. Tomei o café mais doce que tinha tomado na vida E SEM AÇÚCAR.

Coffee Lab em 2012
Em 2012, a Espresso apresentou um artigo sobre Indicações Geográficas no mundo do café. Eu fazia graduação em Direito e estava prestes a abandonar, quando, ao ler o artigo, uni o útil ao agradável e iniciei uma pesquisa sobre Direito de Propriedade Industrial com as Indicações Geográficas. Comecei a amar a pesquisa quando eu via que poderia trabalhar com o desenvolvimento na vida de produtores que faziam com que aquela bebida mágica e que sempre me acalentava o coração pudesse chegar à minha xícara. Em 2013, fui à São Paulo visitar meu ex e fazer um curso de preparo de café caseiro no Coffee Lab. Conheci também o Sofá Café e conversei com o Ton Rodrigues, que tinha trabalhado no Coffee Lab e já vínhamos trocando figurinhas sobre café pelo Facebook. Ele me deu dicas de livros e me mostrou materiais da SCA sobre torra e afins. Fiquei ainda mais entusiasmada e acabei comprando um Hario V60 e uma Aeropress para ter em casa. Acredito que fui uma das primeiras pessoas em Maceió a ter métodos diferentes de preparo de café, pois algumas vezes, pessoas aleatórias surgiam no Facebook para me perguntar sobre.


Como já estava imersa nesse mundo, sempre buscava melhores cafés nos supermercados. Certa vez almoçando no Carne de Sol do Picuí em Maceió, me deparei com o café da Yaguara, uma fazenda em Pernambuco. Me apaixonei pelo café e consegui encontrar em um supermercado. Mas sempre era difícil encontrar cafés e muitas vezes era caro demais. Até que o Moka Club trouxe a oportunidade de conhecer cafés dos mais diversos lugares do país. Assinei e todo mês recebia um pacotinho de felicidade de origens diferentes em casa.

Me formei em Direito, trabalhei em uma empresa de tecnologia. E o café sempre esteve ali. Até que decidi voltar para a academia e para minha pesquisa de Indicações Geográficas. Mas na Geografia. Em 2017, vim morar em Recife para o meu mestrado na Universidade Federal de Pernambuco e me deparei com uma cidade cheia de cafeterias. Em maio do mesmo ano, vi que tinha um evento chamado Recife Coffee: um mês especial de café entre todos os estabelecimentos com comidinhas que harmonizavam com a bebida. Eram várias cafeterias que faziam o que eu fazia com meus amigos do colégio em Maceió. Vi que o consumo de café em Recife era enorme, o que me fez me sentir ainda mais acolhida por essa cidade. Minha orientadora ama café e sempre nos reunimos para discutir as pesquisas abençoadas por essa bebida incrível.

Eu em Paris em 2016 tomando café brasileiro
Em 2018, tive a oportunidade de conhecer a Yaguara, aquela fazenda da qual eu comprava café em Maceió e só via no Instagram as imagens belíssimas dos pés de café, além da criação de suínos maravilhosa. O restaurante Cá-Já juntou um mói de fãs da gastronomia na fazenda junto à cervejaria Ekäut aqui de Pernambuco e passamos uma manhã de domingo andando pela fazenda e conhecendo a bruxaria da Tatiana Peebles e nos sentindo abençoados sentando numa mesa como uma grande família e comendo o que aquela terra linda nos proporciona. Junto à mão abençoada do chef Yuri que me fez chorar com um arroz com miúdos de galinha (chorei porque não gosto de miúdos, mas com aquele prato eu lambi os beiço). E conheci pessoalmente a Tati. Eu parecia criança conhecendo a Xuxa. Tinha sido um ano difícil pra mim e aquele dia me disse que tudo ia melhorar. E melhorou.

O dia que descobri o que era felicidade (Outubro de 2018)
No mesmo ano, minha irmã foi fazer uma sessão de fotos com uma cafeteria. Ela estava trabalhando com as mídias sociais do lugar. E voltou para casa falando: “Bruna, você PRECISA ir no Kaffe!”. Mas o ano estava sendo difícil e cheio, tinha que terminar meu mestrado. Até que no meu aniversário, decidimos celebrar lá junto aos meus pais. Vi que a cafeteria era bem diferente de tudo o que eu já tinha conhecido aqui no Nordeste. Realmente eles tinham uma proposta de mostrar o café como ele deve ser apresentado: não apenas como uma bebida que faz parte da história do brasileiro, mas uma bebida que merece ser valorizada e respeitada, não só na xícara, mas em toda a cadeia, desde o produtor até minha boca.

O café mineiro que pedi veio com comidinhas mineiras que harmonizavam perfeitamente. No braço, eu já tinha tatuado um ramo de café e aquele lugar parecia mágico para uma pessoa que já era apaixonada pela bebida há tanto tempo. Até que veio uma caixinha na minha mesa e meus pais e minha irmã me deram de presente um curso de barista iniciante no Kaffe. Eu nem podia acreditar que faria um curso para aprender a mexer numa máquina de espresso! Tá, eu nem sou muito fã de espresso, eu amo um filtradinho, mas aquelas máquinas SÃO LINDAS. Sempre ficava olhando no Instagram aquelas La Marzocco (marca de máquina de espresso) lindonas. Eu agora poderia ser uma barista oficial.

Demorei pra fazer o curso, pois o mestrado estava ocupando demais do meu tempo. Mas duas semanas antes de defender, surgiu uma vaga e eu fui fazer uma imersão de dois dias no mundo do café. E toda aquela paixão se fortaleceu quando eu conheci Lidiane, a barista dona do Kaffe que eu só via das redes sociais e quando ela ganhou barista do ano pelo Facebook. Conhecer Lidiane foi o suficiente para que a chaminha do café no meu coração se tornasse fogaréu. Terminei o curso e ela me disse que eu podia ser barista freelancer para ir pegando prática no ramo. Como eu estava prestes a defender meu mestrado e não queria emendar o doutorado por questões de ‘também sou filha de deus e mereço um descanso acadêmico de só estudar e ver que esse mundo não tem jeito’, pensei: “poxa, seria incrível trabalhar como barista e só estudar café”. Me dei um mês de férias depois da defesa e enviei uma mensagem por whatsapp para Lidiane agradecendo por ter acordado de novo essa paixão pelo café e perguntando por dicas para me tornar uma barista freelancer. Ela respondeu carinhosamente como sempre e disse que me passaria uma lista de cafeterias de Recife onde eu poderia tentar.

Uma semana depois, ela me envia uma mensagem dizendo que precisava de um freela. Que estava procurando uma pessoa do bem e comprometida com café e que tinha lembrado de mim. Depois de tudo o que eu já falei aqui vocês já podem imaginar que eu chorei né? Não, não chorei, mas saí gritando pela casa e assustei minha irmã dizendo: TU SABE QUEM VAI SER A BARISTA FREELANCER DO KAFFE?! EUZINHA!

Comecei no outro dia. A menina que brincava de cafeteria quando criança agora estava servindo café de qualidade de verdade. Conversando com clientes sobre a origem do café, sobre os diferenciados métodos de preparo, harmonizando comidas com café... de verdade. Os artigos da Roast Magazine, da Revista Espresso, da SCA que eu recebia por email estavam sendo vistos, experenciados e falados ali.

E na dúvida sobre o meu projeto de doutorado (que mesmo eu não querendo emendar o mestrado com o doutorado, como acadêmica eu já tinha que pensar sobre), o tema surgiu no Kaffe em uma conversa com o nosso mestre de torra (e meu chefinho), Eudes. A chamada 3ª onda do café defende a valorização de toda a cadeia do grão: desde o plantio, quem colhe, à torra, quem torra, até quem prepara, o barista. Tudo isso envolve a pesquisa sobre desenvolvimento territorial que eu venho estudando e trabalhando desde que eu li o artigo sobre Indicações Geográficas na Revista Espresso. E assim, achei meu projeto. E estou desenvolvendo parcerias entre o Kaffe, produtores pernambucanos de café e instituições importantes como a Universidade Federal de Pernambuco, o Instituto Agronômico de Pernambuco e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial.

Minha irmã também trabalha junto ao Kaffe cuidando das redes sociais e, também, se apaixonando por café. Até se imaginando sendo uma futura mestra de torra.

Mesmo correndo, sendo barista freelancer, pensando nos projetos que estou envolvida na universidade, iniciando essa pesquisa envolvendo tantos atores, eu penso que aquela menina que brincava de cafeteria nunca imaginaria que iria acabar estudando tanto uma bebida, a ponto de ser mestra em Geografia, graças a um artigo de uma revista especializada em café; que essa menininha iria realizar um sonho ao ver um sorriso de um cliente dizendo: “que café maravilhoso!”; que iria trabalhar junto ao IPA, ao INPI, ao SEBRAE no desenvolvimento econômico, territorial e social de uma região produtora de café.

Semana passada, fiz o IELTS, a prova de proeficiência em inglês para o doutorado. Antes da prova, conversando com um rapaz que também ia fazer, comentei que eu era barista e comecei a falar um pouco sobre café. Ele riu e comentou: “Então se cair café nessa prova você já sabe de tudo!”. Assim que abri o caderno de Reading, o primeiro texto era: The history of coffee. Nem precisei ler o texto para responder algumas questões. Tive que me segurar para não rir alto. Saí da prova e fui ao Kaffe contar o causo. Meus chefes riram e comemorei tomando uma cerveja feita com café junto aos meus chefes, Lidi e Eudes, e um casal de clientes, Marcelo e Roberta, que já viraram amigos queridos.

É engraçado como o Kaffe é o lugar onde eu queria chegar. Achei meu doutorado lá; realizei meu sonho de menina e de gente grande de servir café e comidinhas que combinam com a bebida; fiz amizades com clientes incríveis; fiz irmandade com os outros baristas (Carol, Gabi e Zé Vitor), além dos chefes mais carinhosos e que posso aprender demais, Lidi e Eudes; recebo a Tati Peebles e suas histórias da Yaguara...

É incrível como o café me fez realizar sonhos.

E como ainda tem tantos pela frente com o aroma de café recém moído...

sábado, 10 de agosto de 2019

A carona de guarda-chuva


Hoje eu peguei uma carona de guarda-chuva. Quando saí de casa, o céu estava limpo. Um sol dos infernos, digno da cidade de Recife. Até pensei em sair de calça jeans, mas eu fiz depilação ontem, pra quê me torturar? Na maior avenida em linha reta da América Latina (Fonte: todos os pernambucanos), a Caxangá, o sol estava firme e permaneceu assim até o momento em que eu saí do ônibus. Comecei a sentir algumas gotinhas e apressei o passo. Ao chegar no cruzamento da Agamenon Magalhães, as gotinhas se tornaram gotonas e me agarrei ao pacote de envelopes que ia enviar nos Correios para protege-los d’água.

- Você quer uma carona no meu guarda-chuva?

Eu nunca tinha ouvido essa pergunta. Ao meu lado, uma moça também esperava o sinal abrir para atravessarmos. Sorri, agradeci e ela se colocou mais próxima de mim.

- O clima de Recife está louco! – comentei. São Pedro sempre dava sinais, mas acho que ele cansou dos humanos, principalmente dos brasileiros e do novo governo.

- Recife sempre foi bipolar, mas agora ela também é escrota.

Eu ri alto e comentei que a rinite é a primeira a curtir essa nova fase de escrota do nosso país Recife. O sinal abriu e continuamos embaixo do guarda-chuva conversando sobre o clima instável da cidade e como rinite, sinusite e outros ites aparecem para nos visitar nesse período.

- Fim de semana passado, eu e meu marido íamos para a praia. Pegamos o ônibus. Nem chegamos e já começou a chover. Só fiquei eu com minha cara de otária com meu biquini aparecendo entre a blusa e as pessoas me olhando.

Ri mais uma vez e comentei que quando fui visitar meus pais em Maceió, planejei ir a praia, mas acabei passando dois dias no sofá, agarrada com minha gata, vendo séries enquanto o mundo caía em uma tempestade. Atravessamos a avenida.

- Você vai pra que lado? – ela perguntou apontando seguir em frente ou pegar a direita.
- Qualquer um.

E continuamos conversando. Ela me disse que tinha um filhinho e que agora precisava, mais do que nunca, observar o clima. Me perguntou se eu gostava mais de Maceió ou Recife. Disse que gostava do caos, por isso preferia Recife, mas que Maceió era um bom lugar, tranquilo.

- Eu gostava mais da agitação, até ter um filho. Muda tudo sabe?
- Imagino... Eita. Fico aqui. Obrigada pela carona!
- O prazer foi todo meu!

Recife sempre me prega esses momentos. Depois da análise, fui ao alergologista fazer um teste para saber se eu ainda tinha alergia a crustáceos. Esperando o resultado, na TV passava mais uma burrada do presidente. Fiz cara de desaprovação e a recepcionista partilhou seu descontentamento e vergonha de um governo tão imbecil. Conversamos mais um pouco sobre as mazelas. Saiu o resultado: sem alergias. Agradeci, desejei uma boa semana e mais uma vez, fui em direção ao cruzamento da Agamenon Magalhães para voltar pra casa. O sol tinha voltado.

É. Acho que São Pedro mandou a chuva pra que caronas como a de hoje tragam o aroma gostoso de chuva quando cai para dar a esperança de que as coisas melhorem. Como o sol desse fim de tarde.

Sobre os familiares bolsonaristas

Conseguimos. Chegou a hora que o Jair já foi embora. Lula já tomou posse, Resistência subiu na rampa, o povo brasileiro passou a faixa para...